domingo, 26 de junho de 2011

Depois dos transgênicos e da CPMF, eis o terceiro lobby disfarçado de causa nobre: barrar mudança na lei de licitações

ELIO GASPARI (O Globo de hoje)

Os sábios fizeram da limonada um limão

 Os sábios do Planalto conseguiram transformar o que pode ser uma boa iniciativa em dor de cabeça. Transformaram num limão intragável a medida provisória 527. O texto aprovado na Câmara, criando um regime diferenciado de licitações, permitiu a interpretação de que patrocinaria realização de concorrências com orçamentos secretos. Sabendo-se que a MP regulará as obras para a Copa do Mundo e a Olimpíada, toda e qualquer suspeita é bem-vinda, saudável mesmo. A reforma do Maracanã, hoje entregue à trindade Delta/Odebrecht/Andrade Gutierrez, foi orçada em R$600 milhões, pulou para R $705 milhões e está em R$1 bilhão. Isso para não se falar na abundância de denúncias de propinas cobradas à sombra da FIFA por dirigentes esportivos, atingindo inclusive o presidente da CBF, Ricardo Teixeira.

A suspeita em torno do texto da MP derivava do seu artigo 6o : “O orçamento previamente estimado para a contratação será fornecido somente após o encerramento da licitação (...).”

“Após”, quando?

A MP fora votada num clima de rara ligeireza. A certa altura, quando um parlamentar reclamou com o deputado José Nobre Guimarães, relator da medida, que ele lia um texto onde havia 51 páginas, enquanto no plenário circulava outro, com 47, o doutor respondeu que a diferença era pequena. Tratava-se de uma discrepância resultante de uma mudança no tamanho da fonte de cada cópia, mas essa não era resposta que se desse. Como em 2005 um assessor de Guimarães foi detido pela polícia do aeroporto de Congonhas carregando uma mala com US$200 mil e vestindo outros US$100 mil na cueca, tendo visitado uma empreiteira na véspera, a pergunta continha uma compreensível curiosidade.

Levantada a suspeita, o governo gastou um dia desqualificando-a, sem sucesso. Numa declaração imprópria, o procurador-geral Roberto Gurgel disse que não lera o texto da MP mas, pelo que ouvira, manter o orçamento sob sigilo seria uma novidade “escandalosamente absurda”. Faria melhor se, como procurador-geral, lesse antes de falar, ou restringisse seus palpites à busca de extraterrestres.

Em seguida, veio a doutora Dilma, atribuindo as suspeitas a um erro de interpretação. De fato, se o problema estava na possibilidade de uma leitura catastrofista, poderia ser corrigido tornando explícito o que o governo dizia estar implícito no artigo 6o . O deputado Miro Teixeira oferece uma emenda, reescrevendo-o: “O orçamento previamente estimado para a contratação será fornecido imediatamente (no lugar de “somente”) após o encerramento da licitação”.

Quem contrata a reforma de um banheiro não diz ao mestre de obras quanto pretende gastar. Primeiro pergunta quanto ele quer cobrar. Os professores Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello, da PUC-RJ, já mostraram que a utilização desse mecanismo nas licitações da merenda escolar de São Paulo reduziu o valor do contrato em 30%.

Em vez de ouvir as opiniões alheias, o governo foi para a retranca: não se muda nada. Em seguida, o senador José Sarney criticou o dispositivo e seu colega Romero Jucá acompanhou-o. Nenhum dos dois disse que tipo de ajustes gostaria de fazer. Segundo a ministra Ideli Salvatti, o texto não devia ser mudado, “até porque temos pouco tempo”. Falso, emendar o texto seria tão fácil quanto tomar um café.

Passada uma semana, todas as forças contrárias ao mecanismo moveram suas peças. Não fizeram isso porque defendem a transparência, mas porque preferem matar a ideia, mantendo o sistema vigente, com todas as suas obras e suas pompas.

A troco de nada, a arrogância dos sábios e a paralisia da liderança parlamentar do governo converteram uma suspeita em denúncia, debilitaram uma inovação que pode ser saudável e colocaram na cabeça do governo a carapuça de defensor de sigilos e maracutaias. Há um mês, durante os debates do Código Florestal, foi proposto que pacificasse o plenário com um decreto prorrogando a anistia dada aos desmatadores. Nem pensar, pois o Planalto não aceitaria. O governo perdeu a votação e o que fez? Um decreto prorrogando a anistia.

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