domingo, 6 de fevereiro de 2011

'Inside Job' e Itaquerão

A folha traz na sua página de opinião hoje dois artigos que se relacionam. O primeiro, de Clóvis Rossi, menciona o documentário 'bomba' de Charles Ferguson intitulado 'Inside Job' (Trabalho Interno) que desvenda os bastidores da crise econômica mundial de 2008 ou, melhor, dos fatos que a originaram. De estarrecer. Não vi o documentário, ainda. Mas li muito a respeito e assisti uma excelente entrevista que seu criador deu à Jorge Pontual, na Globo News, dia desses. Reveladora.

O título deste segundo artigo, 'Talvez' lança dúvidas sobre a condução da FIFA sobre estes processos preparativos para a copa. Faz referência insinuadora sobre problemas idênticos ocorridos na África do Sul e, mais perto, nos jogos do Pan-Americano aqui no Brasil, onde houve vários problemas relacionados com preços das obras e suas variações  em escala geométrica - aquela em que os números e as cifras não crescem apenas se adicionando mas se multiplicando, dobrando, quadruplicando...

Os dois artigos se relacionam porque falam de corrupção internacional. No primeiro, a crise que fez com que o mundo perdesse pelo menos dois anos, parado no tempo ou, pior, andando para traz, com consequências as mais nefastas para toda a população, é tratada como algo criado por dolo ou culpa de uma categoria de pessoas plantadas em Wall Street (o distrito financeiro onde estão as bolsas de valores, os bancos e as corretoras de Nova Yorque). O segundo fala por si.

Aí vem a pergunta que - diferente do que parece - não é nada alentadora: então há corrupção assim nestes países desenvolvidos? Não é coisa só de país terceiromundista, como o Brasil? E agora?

Veja os artigos:

CLÓVIS ROSSI

Wall Street e a praça Tahrir

SÃO PAULO - Vi, no voo de volta para São Paulo, o documentário "Inside Job", que conta a história da crise de 2008/09 e concorre ao Oscar de melhor documentário. Por mim, ganharia com um pé nas costas. É revoltante, dá náuseas. Não há "mocinhos" nessa história.

Revoltante é o comportamento dos agentes de mercado, com sua insolência, leviandade, irresponsabilidade, arrogância. Capazes até de roubar as próprias firmas para as quais trabalham, ao lançar como despesas de serviço gastos com cocaína e com prostitutas de luxo. É o mercado, enfim.
Dá náusea ver a omissão dos governantes, a promiscuidade com os negócios dessa gente. A começar de Ronald Reagan, com o qual se inicia o trabalho de desmanche da regulação que acaba, passados vários presidentes, montando o palco para os "senhores do universo" provocarem o colapso que custou ao mundo dois anos de crescimento zero (a economia mundial tem hoje o mesmo tamanho de 2008).

O sistema financeiro instalou portas giratórias no governo. Funcionários saem da banca para o governo, nada fazem para controlar o sistema de que saíram e voltam a ele, ganhando fábulas.

O documentário denuncia, com toda a razão, a "colonização" da academia pelos agentes de mercado. Professores de economia, das melhores grifes, têm empregos muito bem remunerados em conselhos e passam a produzir apenas a ideologia dos que lhes pagam, não a compilar informações e analisá-las de maneira tão objetiva quanto possível em se tratando de algo, a economia, que não é ciência exata.

Revoltante, por fim, é saber que nada mudou, depois da tentativa inicial de que a política governasse os mercados, e não o contrário.

Não vou viver para ver, mas, desse jeito, a menos que surja um estadista, Wall Street ainda será uma imensa praça Tahrir. 
Tomara.

Talvez

Há exatos cinco meses, em 6 de setembro, o secretário-geral da Fifa chegava ao Brasil para decidir sobre a inclusão do Itaquerão na Copa de 2014.

Caso tenha ligado a TV do hotel, Jerôme Valcke viu imagens do acontecimento esportivo da véspera: o adeus do Maracanã, num Flamengo x Santos com 43.350 torcedores.

Saiam os jogadores para entrar os operários, quase dá para ouvir o "Suderj informa".

O francês decidiu. Provavelmente viu. Falou, falou, falou, como sempre. Embarcou para o aconchego do escritório nas colinas de Zurique. De lá para cá, não regressou ao país.

E caso retornasse hoje, para curtir um dia mais ensolarado do que aquela segunda-feira chocha de inverno, ficaria surpreso. Pelo que não foi feito.

Pelos cinco meses perdidos.

Pela confusão armada, muito maior agora -até porque o prazo é mais escasso.

Em Itaquera, tudo o que fizeram foi limpar o terreno.

Nunca houve o anúncio da parceria que pagará (será?) os 12 mil lugares a mais exigidos para a partida de abertura.

O Corinthians tampouco fechou acordo de "naming rights". E, convenhamos, além de essa tendência não ter pegado por aqui, que empresa acreditará que o torcedor abraçaria sua marca em vez de "Itaquerão"? Ou "Fielzão"?

Na sexta-feira, esta Folha revelou que o projeto é o recordista de ressalvas em relatório da Fifa e do Comitê Organizador Local sobre a situação dos estádios para o Mundial: 109.

O Morumbi, descartado porque o presidente da CBF não se entende com o presidente do São Paulo, recebeu 30 críticas na primeira avaliação...

No Maracanã, o cenário só é um pouco melhor porque já há, de fato, operários trabalhando. Parte das arquibancadas foi ao chão. Mas o Ministério Público Federal investiga suspeitas de irregularidades na licitação, além de problemas na elaboração do projeto.

Tem mais: problemas estruturais na cobertura do estádio não detectados antes do processo licitatório, vejam que graça, podem encarecer a obra em mais R$ 275 milhões.

Mas talvez a premissa do quarto parágrafo esteja errada. Talvez Valcke não se surpreenda. Talvez o francês e seus colegas de Fifa estivessem esperando por isso.

Talvez não seja coincidência terem dado uma Copa para o Brasil após os problemas nas obras da África do Sul, com direito a torneira aberta dos cofres do governo para saná-los.

Talvez as belezas do Rio não tenham sido o grande argumento para que o COI trouxesse a Olimpíada para cá. Talvez a boa vontade governamental e a experiência do derramamento de dinheiro público na preparação para o Pan-Americano de 2007 não tenham passado despercebidas pelos cartolas europeus. Talvez, para eles, quanto pior, melhor.

Por ora, são só talvez...

FÁBIO SEIXAS
 é editor-adjunto de Mundo

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