terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Índia lança versão local do Bolsa Família

Programa ambicioso esbarra em falta de acesso a bancos

NOVA DÉLHI. A Índia lançou ontem o piloto de um programa social — inspirado no Bolsa Família do governo brasileiro — que pretende distribuir bilhões de dólares diretamente aos pobres, deixando de lado os intermediários usados em iniciativas anteriores que acabavam desviando o dinheiro.

Inicialmente, o programa atenderá 200 mil pessoas em 20 dos 640 distritos do país onde há cerca de 440 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. O dinheiro será depositado diretamente na conta dos beneficiários, que terão que provar sua identidade por checagem biométrica de retinas e impressões digitais.

O ministro das Finanças, P. Chidanbaram, descreveu o programa como "nada menos do que mágico", mas críticos acusaram o governo de dar um passo maior do que as pernas num país onde grande parte da população não está inserida no sistema bancário. Além disso, o partido de oposição Bharatiya Janata acusou o Partido do Congresso de estar lançando o programa com fins eleitoreiros rumo à escolha de novos governantes em 2014.

— Num novo experimento gigantesco como este, nós podemos esperar alguns escorregões. Pode haver algum problema aqui ou ali, mas eles serão superados pelo nosso povo. É preciso ter paciência, porque essa é uma medida revolucionária para a governança da Índia — afirmou Chindambaram ontem, no lançamento da iniciativa.

PROJETO DE IDENTIFICAÇÃO

O governo indiano disse que inicialmente a verba do programa virá de dinheiro que seria gasto em outros programas sociais, como a concessão de bolsas de estudo. A longo prazo, a exemplo do Bolsa Família, a ideia é unificar todos os programas sociais.

Para eliminar os intermediários — funcionários de governos regionais que são acusados de desviar recursos dos programas sociais para o próprio bolso por meio de fraudes de cadastro —, o governo está usando dados do projeto Aadhar, que tem o objetivo de dar à população do país um número de identificação ligado a impressões digitais e de retina. Centenas de milhões de indianos hoje não possuem nenhum tipo de documento.

CRÍTICA DE INTELECTUAIS

Anteontem, 208 ativistas e intelectuais publicaram uma carta aberta acusando o governo de forçar os pobres a se inscreverem no Aadhar sem ter um esquema de segurança adequado para proteger a privacidade deles. Eles também expressaram o temor de que o governo esteja dando os primeiros passos para abandonar o sistema de distribuição de comida aos pobres, o maior programa do tipo no mundo.

"Serviços essenciais não são o campo adequado para a experimentação de uma tecnologia incerta e altamente centralizada", escreveram os manifestantes na carta aberta.

Mihir Shah, integrante da Comissão de Planejamento da Índia, admite que há muito trabalho a ser feito antes que o programa piloto possa se transformar numa realidade para todo o país. O esforço de identificação tem de atingir a maioria dos pobres da Índia, e as vilas do interior precisam ser equipadas com infraestrutura bancária e acesso à internet, hoje uma raridade.

— Vai levar tempo, e só vai acontecer quando for possível. Mas se há um horizonte que nos obriga a consertar as lacunas que atualmente impedem a transferência direta de dinheiro para os pobres, então estamos caminhando na direção certa — disse Shah.

(O Globo)

Nenhum comentário: