quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Revoltas no mundo árabe mudarão o planeta?

Claro como um sino

THOMAS L. FRIEDMAN

(O Globo)

O que acontece no mundo árabe é a mãe de todas as chamadas para despertar. E o que a voz no outro lado da linha diz é claro como um sino:

“EUA, vocês construíram sua casa no pé de um vulcão. Ele está despejando lava e roncando como se fosse entrar em ebulição. Afastem sua casa!” Neste caso, “afastem sua casa” significa “acabem com sua dependência do petróleo”.

Ninguém torce mais do que eu para que os movimentos por democracia no mundo árabe deem certo. Mas será uma estrada longa e pedregosa. O mais inteligente a fazer é criar um imposto de US$1 por galão de gasolina, a ser aplicado na razão de cinco centavos por ano a partir de 2012, com todo o dinheiro destinado a reduzir o déficit. Elevar o preço da energia hoje com efeito futuro provocaria uma mudança no consumo e no investimento antes de o imposto entrar em vigor, segundo o economista Alan Blinder, de Princeton. Com uma pequena taxa sobre a gasolina, podemos nos tornar econômica e estrategicamente mais seguros, ajudar a vender mais Chevy Volts e nos sentirmos livres para promover abertamente valores democráticos no Oriente Médio sem medo de ferir nossos interesses em relação ao petróleo. Isso significará preços maiores para a gasolina, mas eles estão subindo mesmo, gente.

Já é tempo. Nos últimos 50 anos, os EUA (e Europa e Ásia) trataram o Oriente Médio como se fosse apenas uma coleção de grandes postos de gasolina. Nossa mensagem à região tem sido muito consistente: “Caras, o negócio é o seguinte: mantenham as bombas funcionando, os preços baixos, não incomodem muito os israelenses e, de nossa parte, podem fazer o que bem quiserem. Podem manter seu povo sem os direitos civis que desejarem. Podem se corromper como lhes aprouver. Podem pregar a intolerância que for de seu agrado em suas mesquitas. Podem publicar em seus jornais as teorias conspiratórias que quiserem sobre nós. Podem manter suas mulheres no analfabetismo que desejarem. Podem criar grandes estados de bem-estar social, sem capacidade alguma de inovação. Podem deixar de dar aos jovens a educação que merecem.”

Foi essa atitude que levou o mundo árabe a se isolar da história nos últimos 50 anos, sendo dirigido durante décadas pelos mesmos reis e ditadores. A combinação de preços de alimentos em alta, bolsões de jovens desempregados e redes sociais que possibilitam a esses jovens se organizarem contra seus líderes está derrubando todas as barreiras do medo que manteve esses cleptocratas no poder.

Apertem os cintos, não vai ser um passeio tranquilo. A tampa está sendo retirada de uma região com frágeis instituições, rala sociedade civil e virtualmente nenhuma tradição democrática ou cultura de inovação. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Mundo Árabe de 2002, da ONU, advertia-nos sobre tudo isso, mas a Liga Árabe fez questão de que ele fosse ignorado e o Ocidente fez que não viu.

O relatório foi profético. O documento sustentou que o mundo árabe sofre três grandes déficits — de educação, de liberdade e de poder às mulheres. Um sumário do relatório saiu no “Middle East Quarterly” e detalhou a principal evidência: o PIB combinado de todo o mundo árabe era menor que o da Espanha. O gasto per capita com educação nos países árabes caiu de 20% do dos países industrializados, em 1980, para 10% nos anos 90. Em termos de publicações científicas por unidade de população, a média do mundo árabe por 1 milhão de habitantes era 2% da de um país industrializado.

Quando o relatório foi feito, o mundo árabe traduzia cerca de 330 livros por ano, um quinto do que fazia a Grécia. Das sete regiões do mundo, os países árabes tinham a mais baixa taxa de liberdade, segundo a Freedom House. No limiar do século XXI, o mundo árabe tinha mais de 60 milhões de analfabetos, a maioria dos quais era mulheres. O Iêmen pode ser o primeiro país a ficar sem água, dentro de dez anos.

Esta é a exaltada “estabilidade” que esses ditadores promoveram — a de sociedades congeladas no tempo.

Os movimentos democráticos no Egito e em outros lugares serão altamente benéficos para seus países e para o mundo se tiverem sucesso. Devemos fazer tudo o que pudermos para ajudar. Mas ninguém deve ter ilusões sobre como será difícil e conturbado o retorno dos árabes à história. Vamos torcer, sem ficar na frente.

THOMAS L. FRIEDMAN é jornalista.

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